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Panorâmica de Maragogipe

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Lavagem e Terno da Mombaça


 

A lavagem “de rua” da Festa de São Bartolomeu desde muito longe sempre despertou muita atenção dos moradores de Maragogipe e das pessoas que para cá vinham como visitantes.

Talvez sem entender o seu significado alguns nunca aceitaram a forma como o povo extravasava sua alegria. Quando a “festa de São Bartolomeu” começou no meado do sec. XVII, existia por essa região e em especial em Maragogipe algumas dezenas de “engenhos de açúcar”. Ora, sabemos que a mão de obra desses engenhos era dos africanos que para cá vieram “trazidos a ferro”, deixando para traz sua terra, seus irmãos, suas tradições, para viver uma vida de trabalho e muito sofrimento. Dentro desse quadro dantesco é fácil depreender que qualquer oportunidade seria motivo para se fazer uma roda de samba. Pronta a majestosa Igreja de São Bartolomeu, no sec. XVII, providenciou-se a lavagem do templo para a primeira festa em homenagem àquele que o Mestre disse: “eis ai um homem em quem não há dolo” quando do seu encontro com Natanael. Os escravos não tinham permissão dos seus senhores para freqüentarem a igreja, mas para o trabalho braçal de limpeza da igreja foram eles os convocados. Entre uma viagem e outra para buscarem a água para a lavagem, os escravos, sempre em grupos, iam cantando, dançando e batucando, muitos já tomados de algumas doses da “branquinha”. Ai nascia a “festa de rua chamada lavagem” e que hoje em dia se presta, pelo estado a fora, como modelo para muitas lavagens. Os tempos passaram e à nossa “lavagem” foi incorporando novos elementos lúdicos, pois, passou a ser uma festa de boa parte da população. No começo do sec. XIX, introduziu-se os instrumentos de sopro, porque até aquela data só participavam da lavagem os instrumentos de percussão, numa prova de que, essa manifestação popular teve sua matriz gestada nas senzalas. Os instrumentos de sopro vieram com o “terno da mombaça”, outro elemento que foi incorporado à lavagem e que chegou até meados do sec. XX. A chegada do “terno da mombaça” no sábado da lavagem era o início da fuzarca. Como não tínhamos estradas e a comunicação se fazia por via marítima, o “terno da mombaça” chegava de canoa ou no “navio da carreira” vindo de Cachoeira. Ainda hoje essa chegada povoa meu imaginário de criança e, confesso, sinto saudades daqueles tempos quando íamos, com meus irmãos e amigos, atrás do “terno” para ajudar a dar “viva à mãe do mestre”. O tempo passou rápido e o “terno da mombaça” deixou de vir participar da lavagem de Maragogipe. Agora temos duas escolas de música uma na Terpsycore e outra na 2 de Julho. Os músicos são selecionados entre elas e forma-se o terno, todos músicos que sabem ler as partituras, de saber musical refinado, diferentes daqueles lavradores da Mombaça que tocavam de ouvido e que formavam o saudoso “terno da mombaça”. Quanta saudade daquele tempo! ABILIO UBIRATAN Agosto, 2009.