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Panorâmica de Maragogipe

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

CABEÇA DO NEGRO

 (ou  QUANDO A YAYÁ SE APAIXONOU PELO ESCRAVO)



    Descendo o Rio Paraguaçu em direção à sua foz, na margem direita, bem próximo à vila de São Roque do Paraguaçu, existe uma faixa de praia, tendo ao fundo um morro, uma região de beleza inconfundível, emoldurada pela mata exuberante que existe no local, mas que foi palco de um martírio com  requinte de perversidade, ocorrido há muito tempo. Esse local foi denominado pelo povo, desde então, de cabeça do negro.

 No começo do povoamento desta região vários engenhos de açúcar aqui foram instalados. A mão de obra desses engenhos era de origem africana, força motora para tocar as moendas e outros afazeres diretamente ligados desde a plantação da cana até à produção do açúcar.

Natural que entre a população trabalhadora existissem homens de biótipo variado. Uns moços e de boa compleição física, lembrando figuras mitológicas pela beleza e pelo vigor. Pois bem, ocorreu que a esposa de um Senhor de Engenho, viu um negro moço e se deu de amores por ele. Usou dos artifícios herdados de Dalila e logo estava com ele deitada em sua alcova. O romance criou raízes e vários foram os encontros que mais e mais enfeitavam a fronte daquele senhor de muitos recursos.

Passaram-se os dias até que algum enxerido levou ao conhecimento do patrão o que estava acontecendo em seus domínios. O marido traído enfureceu-se e mandou seus capangas prender o indigitado moço. Feita a prisão o moço foi transportado de canoa até o local determinado e lá, conforme ainda ordens recebidas, cavou-se na praia um buraco que coube o negro em pé. Em seguida fincou-se um pelourinho ao qual o negro foi amarrado e a terra reposta ao buraco, ficando apenas a cabeça do negro de fora, em seguida  retiraram-se  todos, deixando o pobre moço entregue à sua própria sorte.

Ocorre que o negro era iniciado nos mistérios do candomblé, tinha o corpo fechado, razão pela qual deu-se o desaparecimento do negro depois que a maré baixou. O povo passou a acreditar que os orixás, seus protetores,  se encarregaram  de salvar o pobre rapaz e levá-lo para bem longe das ira do seu senhor. Ai a razão do nome do lugar ser cabeça do negro.

Pescadores que costumam fazer suas pescarias nas proximidades do lugar, relatam que nas noites de lua cheia, enquanto esperam a maré para concluírem seu labor, ouvem uis e gemidos, numa mistura de sons que denotam prazer e ao mesmo tempo sofrimento, o que levam a crer que o espírito do indigitado negro ainda ronda aquela região.

Abilio Ubiratan / Maio/2012