Para o jovem Vitor Santana.
No ambiente da lavagem muitos são os personagens envolvidos,
as baianas, responsáveis pelo visual multicor dos seus jarros ornados de flores
e com água de cheiro e seus esvoaçantes estandartes, os músicos da charanga e o
povão que extravasa todo seu potencial lúdico durante o tempo que a fuzarca
percorre a cidade.
Na festa de São Bartolomeu, desde que o poder público
municipal assumiu a realização da “lavagem de Rua” esta passou a ser o evento
de maior destaque graças à propaganda que é feita em todos os cantos do estado,
atraindo milhares de pessoas. Porém, o personagem de maior popularidade e que
mais chama a atenção na lavagem, sem dúvidas, é “Seu Tibúrcio”. Afinal quem é
esse tal de Tibúrcio? Surgido há muito tempo durante a festa deve ter sido um
homem do povo, alegre, descontraído, que “gostava de samba, tomava cachaça,
fumava charuto e tocava pandeiro”. É difícil imaginar a lavagem de rua da Festa
de São Bartolomeu sem a presença de “Seu Tibúrcio”.
No momento que a multidão se aglomera no adro da Igreja, o
povo misturado às baianas e charanga, todos na espera da execução do Hino de
São Bartolomeu para ao término deste ato de contrição e fé, espontaneamente,
explodir de alegria com os primeiros
acordes do samba “quando vim da Bahia êta..., sem sombra de dúvida, é um
espetáculo que mostra toda a alegria de um povo festeiro e hospitaleiro. E a
partir daí ninguém mais contém a massa.
A lavagem começou, na segunda metade do sec. XVII, dando
origem ao samba de roda, que nasceu em Maragogipe, segundo pesquisadores e
historiadores, porque após a lavagem da Igreja de São Bartolomeu os senhores de
engenhos permitiram que os escravos fizessem rodas de samba na área externa da
igreja dando início a essa manifestação cultural. Pois bem, com a repetição deste
evento pelos anos seguintes, sempre ao término do trabalho de lavar a igreja
com água e sabão, foi possível permitir ao grupo que se deslocasse pelo
vilarejo e todos pudessem tomar parte na brincadeira. Outro detalhe é de que no
principio os instrumentos eram somente os vasilhames usados para o transporte
da água, depois vieram os instrumentos de percussão e as músicas que eram na
língua dos escravizados. Pouco tempo depois, consolidada a brincadeira, foram
introduzidos os instrumentos de sopro e de corda e as músicas passaram a ser na
língua portuguesa, mas estas já surgiram
com letras de duplo sentido, exceção para as letras que exaltavam a figura do
Padroeiro. Bom frisar ainda que no principio era uma manifestação popular
permitida apenas aos homens dado o ambiente em que a mesma nasceu com promiscuidade e violência.
Nesse ambiente, nos anos trinta do século passado, surge a
figura de “Seu Tibúrcio” um maragogipano que “gosta de samba, fuma charuto,
toma cachaça e toca pandeiro” e como era natural amante da festa de São
Bartolomeu. Esse personagem foi introduzido na lavagem para atingir a figura da
cinderela maragogipana, uma moça que nasceu pobre, foi marisqueira, operária da
Suerdieck, mas, conquistou o coração do poderoso empresário alemão e com ele
casou-se. A inveja e maledicência visava atingir aquela criatura simples de
Maragogipe, buscando diminui-la e então na lavagem de SB colocaram “seu
Tibúrcio”, nos versos do poeta anônimo, como se ele fosse mulher, pois uma peça
da indumentária feminina agora aparecia nele. Vejamos os versos:
“Quando vim da Bahia... êta
Encontrei Seu Tibúrcio... êta
Com anágua bem dura...êta
Por cima da bu... êta”.
Assim, a picardia do
poeta anônimo deixa claro que havia a intenção velada de atingir uma outra
pessoa usando a figura de Tibúrcio. Acreditamos que Tibúrcio existiu, mas ele
foi levado ao samba da lavagem de SB apenas por um desses caprichos do destino.
Fato é que “Seu Tibúrcio” dominou a lavagem e sem ele não tem lavagem. Coisas
de Maragogipe!
Julho de
2022/ABÍLIO UBIRATAN
LEMBRETE
"Museus e arquivos, como se sabe, não são apenas lugares de passeio e entretenimento são locais de estudo e reflexão".
Laurentino Gomes